Artículo

Aperte o controle: o exercício do controle social sobre a gestão pública - o caso de Recife, Brasil

Ajuste al control: el ejercicio del control social sobre la gestión pública. El caso de Recife, Brasil

Revising control: the exercise of external social control on public administration. The case of Recife, Brazil

Carla Pasa Gómez
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Luana De Oliveira Alves
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Andrea Leite Rodrigues
Universidade de São Paulo, Brasil
Renato Eliseu Costa
Universidade Federal do ABC, Brasil

Documentos y Aportes en Administración Pública y Gestión Estatal

Universidad Nacional del Litoral, Argentina

ISSN: 1666-4124

ISSN-e: 1851-3727

Periodicidade: Semestral

vol. 21, núm. 37, 2021

jvigil@fce.unl.edu.ar

Recepção: 05 Agosto 2021

Aprovação: 25 Janeiro 2022



DOI: https://doi.org/10.14409/daapge.2021.37.e0018

Para citar este artículo: Pasa Gómez, C.; De Oliveira Alves, L.; Leite Rodrigues, A.; Eliseu Costa, R. (2021) “Aperte o controle: o exercício do controle social sobre a gestão pública - o caso de Recife, Brasil” DAAPGE Vol. 21, N° 37, 2021, pp. 22-41. UNL, Santa Fe, Argentina.

Resumo: Interessado em compreender o controle social externo, esse artigo objetiva investigar o uso dos instrumentos e canais das redes sociais utilizados para o exercício do controle social sob a administração pública tomando como base a participação cidadã de residentes em Recife (Pernambuco, Brasil). Para tanto recorreu-se a uma pesquisa de campo lançando mão de entrevista não estruturada, pesquisa empírica com residentes do local pesquisado e, de pesquisa documental cujos dados foram confrontados com os discursos teóricos. Como achados dessa pesquisa revelam-se informações interessantes para os gestores públicos, para o meio acadêmico e para a sociedade uma vez que conclui-se que apesar da existência e, disponibilização de dados para o exercício do controle social externo, estes ainda são pouco compreensíveis para uma grande parte da população; que os cidadãos estão interessados em manifestar sua opinião sobre os atos da administração pública; e, que o uso das redes/mídias sociais deve ser melhor explorada pelos provedores de informação a fim de evitar ruídos de informação e geração de fake news.

Palavras-chave: controle social, participação social, redes/mídias sociais utilizadas pela sociedade.

Resumen: Interesado en comprender el control social externo, este artículo tiene como objetivo investigar el uso de instrumentos y canales de las redes sociales utilizados para ejercer el control social en la administración pública, a partir de la participación ciudadana de los residentes en Recife (Pernambuco, Brasil). Para ello, se utilizó una investigación de campo, utilizando entrevistas no estructuradas, investigación empírica con habitantes del lugar investigado e investigación documental cuyos datos fueron confrontados con discursos teóricos. Como hallazgos de esta investigación, se revela información de interés para los gestores públicos, para el ámbito académico y para la sociedad, pues se concluye que a pesar de la existencia y disponibilidad de datos para el ejercicio del control social externo, estos aún son poco entendidos para un gran parte de la población; que los ciudadanos estén interesados ​​en expresar su opinión sobre los actos de la administración pública; y, que el uso de las redes/medios sociales debe ser mejor explorado por los proveedores de información para evitar el ruido informativo y la generación de noticias falsas.

Palabras clave: control social, participación social, redes sociales/medios utilizados por la sociedad.

Abstract: Interested in understanding external social control, this article aims to investigate the use of instruments and channels of social networks used to exercise social control under public administration, based on the citizen participation of residents in Recife (Pernambuco, Brazil). In order to do so, a field research was used, using unstructured interviews, empirical research with residents of the researched place, and documental research whose data were confronted with theoretical discourses. As findings of this research, interesting information is revealed for public managers, for the academic environment and for society, since it is concluded that despite the existence and availability of data for the exercise of external social control, these are still poorly understood. for a large part of the population; that citizens are interested in expressing their opinion on the acts of public administration; and, that the use of social networks/media should be better explored by information providers in order to avoid information noise and the generation of fake news.

Keywords: social control, social participation, social networks/midias used by society.

1. Introdução

Os sistemas de controle que configuram a base dos modelos de governança democrática assentam-se na indissociabilidade entre a participação da população e a gestão pública com vistas ao objetivo maior da administração pública que é o de gerir de forma eficaz o bem público resultando na triangulação entre democracia, cidadania e controle social (Silva; Cançado; Santos, 2017). Ou seja, o ato de controlar a administração pública tem por finalidade controlar e avaliar o desempenho das ações desse ator, observando o cumprimento à legislação visando alcançar os resultados sociais desejados e desenvolvendo uma consciência estratégica para aperfeiçoamento contínuo da gestão (Santos, 2006). Logo percebe-se que a sociedade civil assume um protagonismo relevante sob diversas óticas como a da racionalidade comunicativa, da gestão social, e, da mobilidade associativa.

A internet foi a grande propulsora da amplificação do controle social por parte da sociedade facilitada pela configuração da sociedade em rede (Castells, 2018) num ambiente de pós-modernidade que clama por um modelo mais representativo de Estado.

E à nessa perspectiva de democracia convergem abordagens e temas como o da accountability; da teoria dos stakeholders (Freeman, 1984); da new public management; da new public governance (Ribeiro Filho et al, 2007), que incluem a sociedade como um ator de controle social sobre as atividades dos entes públicos com vistas à aproximação entre eles, na busca por “uma nova esfera pública que consiga aproximar novamente a população da política” (Cançado; Pereira; Tenório, 2015:145)

Se por um lado, no Brasil, o exercício do controle social interno passou a ser regido por leis como a da Responsabilidade Fiscal – LRF (Lei 101/2000), pela Lei de Transparência (Lei 131/2009) e pela Lei de Acesso à Informação – LAI (Lei 12.527/2011) por outro lado, o controle social exercido pela sociedade não recebeu incentivos, esforços e dedicação suficientes por parte da administração pública ao mesmo tempo em que encontrou uma sociedade com baixos níveis de politização e desinteresse pelo exercício da cidadania (Silva; Tardin, 2019).

Essa implicação representa uma fragmentação da proposta idealizada pela Constituição Cidadã, como é conhecida a Constituição Federal Brasileira de 1988, isso porque sem a participação cidadã não há elementos suficientes para a nova governança pública. Isso é reforçado por Goulart (2011 op. cit Magalhães; Xavier, 2019:185) ao afirmar que "cabe aos cidadãos no exercício do controle social, deliberar e decidir sobre os rumos das políticas públicas, podendo o próprio controle ser definido como um processo permanente de deliberação compartilhada entre sociedade e administração pública".

Tem-se então que na lógica da reforma gerencial (impulsionada ao longo do tempo 1988) e, dada a responsabilização dos agentes públicos pela eficácia da gestão passou-se a buscar em ferramentas, modelos, e instrumentos de gestão soluções para adequar-se às exigências e adaptações necessárias a new public governance (Corbari, 2004 op. cit Silva, et al., 2018).

Assim, interessado em compreender o controle social externo da administração pública, esse artigo objetiva investigar os instrumentos e canais utilizados na internet para o exercício do controle social sob a administração pública tomando como base a participação cidadã de residentes de Recife (Pernambuco, Brasil).

Delineia-se, portanto, dentre as perspectivas e temas anteriores uma ampla agenda de pesquisa necessária para a compreensão do controle social exercido pela sociedade entendido como o “ato realizado individual ou coletivamente pelos membros da sociedade, por meio de entidades juridicamente organizadas ou não, através dos diversos instrumentos jurídicos colocados à disposição da cidadania para fiscalizar, vigiar, velar, examinar, inquirir e colher informações a respeito de algo” (Siraque, 2009:103) executado pela gestão pública.

Apesar de amplamente debatido na academia, o tema merece discussão uma vez que está em constante e veloz mudança frente a dinâmica social, ambiental, cultural, econômica e política das sociedades em seus diversos tempos. Além disso, conforme Silva, Cançado e Santos (2017:26) "o termo controle social vincula-se a múltiplos entendimentos com conceitos e classificações distintas, tendo alongamento conceitual e imprecisão nas suas definições" e, portanto, merece continuar sendo debatido. Os mesmos autores reforçam a importância do debate como elemento do processo evolutivo da democratização e da cidadania deliberativa da sociedade brasileira.

E, segundo Amaro (2010:60) "...na prática, ainda são insuficientes as iniciativas no sentido da promoção de um efetivo controle social", o que motiva as discussões sobre o tema que contribui para o fortalecimento do poder local por meio de uma gestão social democrática.

A seguir será debatido os aspectos centrais do referencial teórico, seguido do delineamento metodológico para a consecução desta pesquisa, a apresentação e discussão dos resultados e por fim as considerações finais.

2. Marco Teórico

A discussão teórica que se segue tem por finalidade apresentar aspectos conceituais sobre controle social, o papel de cada um dos atores e por fim explanar sobre os instrumentos e canais de controle que a sociedade civil pode utilizar. Tal discussão serviu como suporte para a construção do questionário utilizado para a execução da pesquisa empírica.

2.1. Controle Social

O conceito de “controle social” na ciência política vem sendo amplamente discutido, em parte, devido a ambiguidade que surge a partir da interpretação de qual ator que realiza esse controle e, sobre quem é controlado, ou seja, o Estado controla a sociedade civil (Hobbes, 1651) ou, a sociedade civil controla o Estado (Rousseau, 1762). Há ainda a visão de autores como Locke (1689) que limitam o papel de controle sobre Estado (garantia dos direitos naturais) e passa o “controle supremo” ao povo que o exerce através do legislativo.

É a partir da visão desses autores, denominados “Contratualistas” que irá derivar as análises modernas sobre o Controle Social, como por exemplo, os autores marxistas, filiados ao pensamento de Rousseau, para autores como Mészaros (2008); Iamamoto (2008); Lukács (2003) o Estado é dominado pela burguesia e assim utiliza-se do seu aparato (inclusive coercitivo) para realização do controle social, desta forma para esse grupo de autores marxistas o Estado deve ser retomado pelo povo para garantir a soberania popular.

Gramsci (2001) avança na visão marxista, dizendo que o controle social acontece na disputa entre a burguesia e sociedade civil pela hegemonia do Estado e que por isso para entender o controle social é preciso analisar o contexto histórico daquele momento. O autor ressalta que será esse grupo hegemônico (ganhador da disputa) que controlará a gestão das políticas públicas direcionando o atendimento, cada vez mais, às demandas e aos interesses dessas classes. Essa visão do autor contribuiu para construção do conceito de participação social, visto que para parte dos autores da ciência política a classe dominante tem historicamente realizado o controle social através do Estado.

Há ainda autores que discutem o uso do conceito de controle social da forma posta na legislação brasileira, a partir de uma perspectiva Habermesiana (2003), para qual esses espaços/ferramentas de controle social são espaços de excelência para construção de consensos e pactuações entre o Estado e a população.

Por sua vez, para Bobbio (1999:284) o controle social “pode ser identificado de duas formas principais: a área dos controles externos e a área dos controles internos”. A primeira forma de controle diz respeito aos mecanismos de repressão destinados à manutenção da ordem, como por exemplo o poder de polícia, já a segunda é entendida como o controle do aparelho estatal pela sociedade. Para o autor esse controle além de fortalecer a autonomia da sociedade na busca pelo atendimento de suas demandas sociais, fortalece o ideal democrático à medida que possibilita a fiscalização da aplicação de recursos e, a participação no monitoramento e avaliação das políticas públicas (Bobbio, 1999).

Neste sentido, o controle social ganha força na participação dos setores organizados da sociedade civil, ao se envolverem na gestão desde a formulação até a avaliação das políticas públicas, buscando, mesmo em um Estado dominado pela burguesia, a defesa dos interesses da coletividade. Assim o controle social, passa a adquirir um papel de democratização dos processos decisórios e da construção da cidadania (Barros, 1998:31).

Nesse sentido, adota-se aqui a visão de Avritzer (2007) para quem o termo controle social tem sido utilizado para expressar a ideia de controle dos cidadãos sobre as ações governamentais.

2.2. O papel dos atores do controle social

Os atores sociais se distinguem entre aqueles que possuem uma ênfase no controle jurídico, e os que possuem um controle político e social, sendo que estes últimos possuem uma desvantagem por seu caráter não institucionalizado (Aragón, 2002 op cit Leiva Zumelzu; Santibáñez Handschuh, 2018).

Para os referidos autores "ciudadanos, grupos de diferente índole y medios de comunicación son los actores relevantes en el proceso de control social" (Leiva Zumelzu; Santibáñez Handschuh, 2018:31).

Recai, portanto, sobre a participação popular via exercício da cidadania o controle da gestão dos recursos públicos, que segundo Silva et al (2018) vai desde o planejamento até a fiscalização dos serviços públicos. E é a partir dessa participação que os instrumentos de accountability e transparência amadurecem para promover uma administração pública mais eficaz.

Para Silva, Tardin (2019:23) "o cidadão, como titular do poder, tem direito de monitorar seus governantes, com o objetivo de evitar o mau uso e o desperdício do dinheiro público" e, para tanto, no Brasil, tem a sua disposição os portais de transparência, e o direito de pedir e ter acesso à informações que dizem respeito às ações da administração pública.

O portal da transparência é uma página na internet de acesso livre na qual são disponibilizados dentre outros dados e informações sobre as receitas, despesas, orçamento público e sua execução pretendendo promover a transparência e estimulando o controle social para a consequência fortalecendo a democracia. O portal da transparência surge como uns dos instrumentos para o cumprir o artigo 48º Lei de Responsabilidade Fiscal, que assegura que a transparência ocorre pela “liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público" (Art. 48, parágrafo único, inciso II da Lei de Responsabilidade Fiscal, Brasil, 2000).

Além disso a Lei 12527/2011 contribui para a prática do controle social pois ela regulamenta o direito fundamental de acesso às informações públicas fixando o dever do Estado em fornecer informações aos cidadãos e tratando essa mesmo informação como bem público (Silveira, 2012). Surgiram então, ao longo dos últimos anos, vários canais de interação com os cidadãos, entre os quais a Comissão de Legislação Participativa, a Ouvidoria Parlamentar e, os sistemas comunicativos: Fale Conosco, Fale com o Deputado, Fale com a Ouvidoria e, o e-democracia (Câmara dos Deputados, 2019).

Segundo Silva; Tardin (2019:23) "nesse contexto, a transparência fiscal, definida como o conjunto de instrumentos legais que promovem o acesso e exigem a divulgação de informações confiáveis e tempestivas a todos os interessados apresenta-se como uma ferramenta útil para avaliar o desempenho dos agentes públicos".

É então que o exercício do controle social por parte da sociedade ganha representatividade individual e/ou coletiva e que interessa para esse artigo para discutir os avanços desse tema no Brasil. Segundo Gohn (2003:30), os movimentos sociais passaram a agir “dentro dos marcos da institucionalidade existente e não mais à margem, de costas para o Estado (...). A nova fase gerou práticas novas, exigiu a qualificação dos militantes. ONGs e movimentos redefiniram seus laços e relações". Dentre essas práticas estão ações em rede, advocacy, uso massivo de redes sociais entre outros.

2.3. O cidadão: um olhar sobre as ações individuais

Vários autores (Guillamón, Batista, Benito, 2011; Cella, Zanolla, 2018; Silva; Tardin, 2019 dentre outros), são unânimes em afirmar que quanto maior a participação e engajamento de todos os atores do processo de controle social, mais eficientes, eficazes e, positivamente impactantes serão os serviços proporcionados pelos órgãos públicos.

Além disso há de se considerar que a responsabilidade compartilhada passa a compor o cenário da governança que considera a participação ativa dos atores individuais ou coletivos e seus ganhos perpassam o fortalecimento da cidadania, a prevenção à corrupção, aumento da qualidade da ação estatal, promoção da cultura de participação, co-construção do serviço público, e, a mudança da centralidade do fazer público orientado pelas demandas da sociedade (Silva; Tardin, 2019).

No entanto Cançado e Pinheiro (2016) assim como Sabioni, Ferreira, Reis (2018, p. 82) destacam "que é a notável, apesar de incipiente, o interesse dos brasileiros por uma gestão pública participativa" e se propõe a discutir a motivação para a participação cidadã considerando as bases teóricas de racionalidades instrumental e subjetiva e, das diversas variáveis que tem interface com estas conforme a figura a seguir:

Contexto e razões que influenciam motivação para a participação cidadã
Figura 1.
Contexto e razões que influenciam motivação para a participação cidadã

Fonte: Sabioni; Ferreira; Reis (2018:88)

Nessa representação das motivações para a participação considera-se que o senso de comunidade pode ser evidenciado pela reciprocidade de interesses e pelos interesses próprios. Os aspectos de recursos e mobilização consideram a disponibilidade e a aptidão dos potenciais participantes, incluindo tempo, dinheiro, habilidades e confiança; e, os fatores que a favorecem, tais como solução de problemas, oportunidades de participação e tentativas de recrutamento de novos cidadãos. Ou seja, as características da relação prestação de serviço público - participação, considera a importância e eficiência do serviço público para o cidadão pautada por exemplo na relação de insatisfação x participação (Sabioni; Ferreira; Reis, 2018).

Se os referidos autores se interessaram pela perspectiva motivacional individual para a participação Palassi, Martins, Paula (2016) consideram que é com base na reflexão sobre o cotidiano, da dinâmica social na qual está inserido, nos aspectos psicossociais, na sua visão de mundo, na sua consciência, e, nos significados que os indivíduos atribuem à realidade social é que se configura a consciência política.

Assim, para esses autores é através de mecanismos participativos que haverá a efetivação da participação individual ou coletiva nos processos democráticos de controle social. Assumem ainda que apesar dos mecanismos institucionais aqueles não institucionalizados também se configuram como lugares públicos participativos. Então faz-se importante refletir sobre a representatividade coletiva no controle social.

2.4. A Sociedade: um olhar sobre as manifestações coletivas

Palassi, Martins, Paula (2016) consideram que os canais de participação não convencionais como as manifestações e protestos, movimentos sociais de temáticas diversas, abaixo-assinados, entre outros, são oportunidades de participação.

Para a Silva (2013:53) as manifestações coletivas têm “(...) o objetivo claro de impactar a esfera estatal, (...) com a intenção de interferir nos processos decisórios de políticas públicas”. A Constituição Federal brasileira, no seu artigo 5°, inciso XVI, garante o direito de se reunir, para fins pacíficos, em locais abertos, ou seja, com base nela as manifestações coletivas não podem ser proibidas.

Desde 2013 as manifestações coletivas têm ganhado representatividade e significados de exercício de cidadania. Naquele ano houve manifestações que mobilizaram todo o país contra o aumento das passagens de ônibus demonstrando a capacidade de mobilização coletiva para o controle social. Segundo Cançado e Pinheiro (2016) esse movimento foi uma surpresa para os políticos que menosprezavam a capacidade e poder da manifestação coletiva.

Dado o exercício de participação em manifestações sociais e pelo reconhecimento de sua representatividade muitos cidadãos passam a integrar grupos sociais organizados que tem o potencial de maior organização da mobilização coletiva para o exercício do controle social, por isso considera-se importante a discussão sobre essa forma de cidadania.

Na academia muitos grupos de pesquisa têm se debruçado sobre os movimentos da sociedade para o amplo exercício da cidadania. Dentre eles, o GPACE – Grupo de Pesquisa Associativismo, Contestação e Engajamento, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); o NDAC – Núcleo de Pesquisa Democracia e Ação Coletiva, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP); o NEPAC – Núcleo de Pesquisa em Participação, Movimentos Sociais e Ação Coletiva, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); e o RESOCIE – Grupo de Pesquisa Repensando as Relações entre Sociedade e Estado, da Universidade de Brasília (UNB) que acompanham e monitoram esses atores que por excelência explicitam conflitos, “que tensionam a opinião pública e escancaram problemas estruturais da sociedade” (Trindade, 2017, op. cit Pismel, 2019:27) pois são eles que reúnem em seu lócus os objetivos e valores compartilhados pelos participantes, e assim acabam por constituir um senso de comunidade (Sabioni; Ferreira; Reis, 2018).

2.5. Grupos Sociais Organizados

Como dito anteriormente, a plena liberdade de associação assegurada pela Constituição Federal dá aos cidadãos a oportunidade de se associarem buscando interesses comuns. É então facultado o direito de grupos se organizarem por demandas comuns e buscarem, por meio de sua atuação, chamar atenção para as pautas pelas quais lutam, mobilizando mais pessoas em torno delas.

Para Sandoval (2001 op cit Dau; Palassi; Silva, 2019:203) a motivação para o agir coletivo "refere-se ao aspecto mais instrumental da predisposição de um indivíduo para realizar um conjunto de ações coletivas, não só para reparação de injustiças cometidas contra ele, mas também visando alcançar seus objetivos". Explicam ainda os autores que é a percepção do indivíduo sobre a coerência entre a sua ideologia, a consciência política, a vontade de agir coletivamente e as ações do movimento que motivam os indivíduos a se organizarem em grupos de ação coletiva para o exercício do controle social. Como contrapartida, o despertar do interesse do poder público por resolver essas questões é um sinal de amadurecimento da democracia e da cidadania.

No Brasil, há diversos grupos sociais organizados como por exemplo o Observatório Social do Brasil (OSB) que é um espaço democrático e apartidário para o exercício da cidadania, que reúne o maior número possível de entidades representativas da sociedade civil com o objetivo de contribuir para a melhoria da gestão pública (OSB, 2020a). Com atuação em 150 municípios de 17 estados brasileiros com o voluntariado de mais de 3500 pessoas com atuação nas unidades dos OSB (municipais e estaduais) e, com o emprego da metodologia padronizada utilizada pela organização, a mesma estima que entre 2013 e 2019, com a contribuição desses voluntários, houve uma economia superior a R$ 4 bilhões para os cofres municipais (OSB, 2020b).

Outro exemplo de grupo social organizado é o Amarribo Brasil que se propõe a "promover a transparência, a probidade, a integridade e a boa gestão de recursos públicos transformando cidadãos em agentes de mudança para uma sociedade mais justa, ética e democrática" (Amarribo Brasil, 2020) e que tem atuado na mobilização de atores para o exercício do controle social frente à corrupção.

2.6. Os instrumentos e canais de controle social utilizados pela sociedade civil

As mídias tradicionais foram e ainda são um importante instrumento de disseminação de informações que permitem à sociedade exercer o controle social. Para Lopes (2010) a imprensa é fundamental para a garantia do direito à informação pública, fortalecimento do controle social e da democracia, visto que é via esse ator que parte da sociedade forma a sua opinião.

No entanto, outros canais de comunicação passaram a fazer parte dos instrumentos de formação da opinião pública. Tavares, Paula (2015) abordam os espaços de convivência que se configuram de diferentes formas, mas que com o advento das redes sociais ganhou maior velocidade e escala dada a capacidade de capilarização mais difícil com o uso de instrumentos apenas físicos. Segundo os autores a partir da interação virtual a comunicação, o acesso à informação "permitem a criação de redes complexas, nas quais a estrutura não segue um padrão regular e, por isso, as informações propagam-se além do raio de ação direta" (Tavares; De Paula, 2015:227).

Para Lévy (2000:130)

“a cibercultura é a expressão da aspiração de construção de um laço social, que não seria fundado nem sobre links territoriais, nem sobre relações institucionais, nem sobre as relações de poder, mas sobre a reunião em torno de centros de interesses comuns, sobre o jogo, sobre o compartilhamento do saber, sobre a aprendizagem cooperativa, sobre processos abertos de colaboração".

Se configura, portanto, extremamente importante o acesso à informação e a liberdade da imprensa para revelar situações que influenciam a vida dos cidadãos, dentre elas aquelas relacionada à execução de serviços públicos que afetam a coletividade, a prestação de contas, a corrupção, dentre tantas outras.

Exemplos de mobilização social benéfica ao controle social foi a já citada mobilização (através da rede Facebook e do Whatsapp) em junho de 2013 de pressão sobre os governos contra o aumento das tarifas de ônibus que ocorreu massivamente em diversas cidades do Brasil.

Há ainda na internet instrumentos de controle social que são portais de abaixo-assinado como o AVAAZ,1 o Change.Org2 e o Abaixo Assinado3 que são espaços em que a população pode reivindicar mudanças em proposições de leis, decretos, portarias legais ou manifestar o seu descontentamento com as proposições de políticas pública, dentre outras manifestaçõe exercendo assim pressão sobre a administração pública.

Deve ser considerado ainda que as gerações de pessoas nascidas na era digital (especialmente os millenials) são vorazes consumidoras de informação, da internet, e das redes sociais que pode agir tanto para compartilhar ideias, conhecimentos, e portanto construir espaços coletivos e geração de capital social, como servir de canal de mobilização social "para o mal" da sociedade.

No entanto, Tavares e de Paula (2015) alerta para a falta de controle, do direcionamento das informações, da qualidade e veracidade das informações disseminadas na internet. E é nesse sentido que a internet pode também ser usada "para o mal" ao criar e disseminar fake news, ao permitir que crimes sejam organizados e executados pelas redes sociais, por exemplo.

Cançado e Pinheiro (2016) alertam para a dificuldade de se manter informada e dar condições de formação de opinião para um enorme número de pessoas em um país de espaço territorial expressivo como o Brasil.

Compreendendo que esses instrumentos são eficazes para a participação social e o exercício do controle social, esse artigo lança mão de uma coleta de dados empírica, descrita a seguir para trazer evidências sobre o uso de instrumentos e canais de controle social utilizados pela população residente em Recife, Pernambuco, Brasil.

3. Percurso metodológico

Esse artigo apresenta uma abordagem quali-quantitativa, com aprofundamento descritivo e com olhar teórico de forma dedutiva. Para tanto, lançou-se mão de um instrumento de coleta de dados tipo questionário para buscar informações junto aos residentes de Recife (Pernambuco, Brasil) permitindo identificar o perfil da amostra sobre a utilização das mídias/redes sociais como instrumentos e canais para o exercício do controle social.

O questionário continha 15 perguntas fechadas e foi disponibilizado eletrônicamente por meio da plataforma Google Forms. Na primeira seção do artigo foi feita a apresentação da pesquisa, o objetivo do trabalho, o pedido de colaboração com o aceite do termo de livre consentimento. As outras duas seções foram para identificar questões demográficas e, questões relativas à participação cidadã, utilização de canais de comunicação e mídias sociais.

Os respondentes receberam um link que direcionava para a pesquisa sendo que a primeira pergunta se propunha a filtrar os respondentes-alvo para a pesquisa que deveriam ser residentes da cidade do Recife. O link da pesquisa foi enviado por e-mail e WhatsApp para a rede de contatos da primeira autora desse artigo, e disseminado pelos respondentes no efeito bola de neve.

A coleta de dados ocorreu entre os dias 17/09/2020 à 22/09/2020. Ao total foram 181 questionários respondidos que após filtrados, com a análise de missing values e de outliers totalizaram 131 questionários válidos, considerados como uma amostra mínima desejada uma vez que o censo do Intituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2012 contabilizou um total de 1,5 milhões de habitantes na cidade do Recife, portanto a amostra possui um erro amostral de 7,16% e um nível de confiança de 90%. Foi utilizado amostra do tipo aleatória simples, ou seja, sem estratificação.

Para a análise dos dados da pesquisa quantitativa foi utilizada estatística descritiva univariada. Além disso, como forma de preparar os dados para as análises estatísticas fez-se necessário o tratamento dos dados coletados que foram organizados em um banco de dados eletrônico e analisados utilizando algumas das ferramentas disponíveis no Microsoft Excel 2019.

Paralelamente e de forma à complementar os dados coletados nos questionários, foi realizada uma entrevista semiestruturada (duração de 1h20min) com um especialista em controle social que exerceu cargo na Ouvidoria Geral do Estado de Pernambuco no período de 2015 - 2016 e, desde 2017 exerce função relativa a controle interno e de transparência ativa junto ao Ministério Público de Pernambuco, ou seja, o especialista possui expertise no campo do setor público, e suas opiniões foram analisadas por meio da análise de conteúdo (Bardin, 2011).

4. Análise dos resultados

A análise dos 131 questionários válidos identificou que a maioria dos respondentes se declararam como mulher, 66% (87), e, em sua maioria têm entre 22 e 32 anos, 33,59% (44), seguido da faixa etária entre 33 e 42 anos, 22,14% (29). A menor representatividade foi da faixa entre 16 e 21 anos, 3,82% (5).

Sobre o grau de escolaridade verificou-se que a maioria possui pós-graduação completa ou em andamento, 61,83% (81), ensino superior completo 12,98% (17), enquanto 24,43% (32) dos respondentes possui ensino superior incompleto, somente 1 respondente (0,76%) possui apenas o ensino médio completo. Portanto, a amostra é formada, em sua maioria, por mulheres com pós-graduação completa ou em andamento, com idade entre 22 e 32 anos.

A maioria dos respondentes utiliza-se de sites de jornais, 74,05% (97) como canais para obter informações do poder público. Chama atenção que ao analisar em conjunto as redes sociais Instagram, Twitter, Facebook e Youtube, cerca de 71% (93) dos respondentes relataram utilizar as referidas mídias para acessar as informações da administração pública. Ademais, ao analisar conjuntamente as redes sociais e os sites alternativos de informação têm-se que 82,44% (108) dos respondentes acessam informação em meios de comunicação que não possuem regulação ou que possuem baixo controle sobre a qualidade e veracidade da informação. A tabela a seguir mostra o percentual individual de cada canal utilizado.

Tabela 1.
Canais utilizados para obter informações do poder público
Canais utilizados para obter informações do poder público
Fonte: Dados da pesquisa

Esse resultado foi analisado em conjunto com o questionamento sobre quais órgãos públicos os respondentes acompanham nas mídias/redes sociais, tendo sido apontados o Governo do Estado 56,65% (74), Prefeitura Municipal 51,15% (67), Presidência da República 33,59% (44), e Ministério da Educação 30,53% (40). Chamou a atenção que 22,14% (29) dos participantes da pesquisa indicaram não acompanhar nenhum órgão público.

Tomando como base a página web do Governo do Estado de Pernambuco (Figura 3) é possível verificar que a administração pública utiliza mídias/redes sociais oficiais para divulgar informações e promover a transparência e controle social. É possível verificar o uso do Twitter, Facebook, Flickr, YouTube, e Blog. No entanto, observa-se que o cidadão está buscando informações em fontes de dados secundários (como mostrado anteriormente) como fontes em jornais, TV, blogs alternativos significativamente mais utilizados do que as redes/mídias sociais oficiais.

Parte da página web do Governo do Estado de Pernambuco
Figura 3.
Parte da página web do Governo do Estado de Pernambuco
Fonte: www.pe.gov.br

Por outro lado, ao se observar o comportamento de acesso e frequência de uso dos canais de informações, mídias sociais, compartilhamentos de informações por parte dos cidadãos percebe-se que a maioria dos respondentes utilizam o WhatsApp, Youtube, Instagram, e, Facebook conforme pode ser visto na tabela 2 a seguir.

Tabela 2.
Uso de mídias sociais e comportamento de uso
Uso de mídias sociais e comportamento de uso
Fonte: Dados da pesquisa

É importante destacar que o surgimento de diversas mídias sociais ocasiona consequentemente múltiplas possibilidades de interação do usuário, que pode dificultar a escolha do canal de comunicação tanto por parte da administração pública como do cidadão, o que implica na pulverização das informações, que pode ser positiva ou negativa se não for bem gerenciada.

Os achados da pesquisa reforçam os discursos acadêmicos como o de Saab, Dias, Silva (2020) que indicam um avanço no empoderamento político da população, ao mesmo tempo em que apesar dos esforços da administração pública em promover o controle social ainda é necessário o aperfeiçoamento nos canais de compartilhamento de informações indicando que no Brasil a participação cidadã se encontra em estágio inicial de participação social efetiva.

De forma à complementar tais achados, o especialista em sua entrevista afirmou que é essencial para a melhoria e a eficácia dos serviços públicos que haja a efetiva participação da sociedade no controle social. No entanto aponta que apesar dos avanços ainda faltam instrumentos, e, ferramentas capazes de inserir o "cidadão médio" no processo de controle social.

Na visão do entrevistado, enquanto a administração pública não entender o perfil do "cidadão médio" não terá efetividade das ações para a geração de valor ao cidadão. Para ele isso não ocorre "porque [a administração pública] não oferece dados para os diferentes grupos sociais, [dados] com diferentes interpretações e [para o] interesses destes". Em sua dissertação de mestrado o especialista já afirmava

"...canais pensados de uma forma utilitária, seguindo os relatórios e demonstrativos estabelecidos pela legislação, que na maioria das vezes não são entendidos pelo cidadão médio, e mesmo quando se tenta sofisticar essa informação, complementando-a com evidenciações voluntárias, a informação continua sendo produzida pelos gestores públicos, para um cidadão genérico, sem rosto, desorganizado, o qual se pressupõe formação técnica e inserção digital suficiente para acessar a informação, processar a informação, compreender a informação, concluir sobre ela e se manifestar para acionar os canais de controle” (Amaro, 2010:71-72).

Complementarmente, em sua fala, acrescentou que "a legislação fala de transparência ativa e da necessidade de disponibilizar os dados, mas de fato o cidadão não sabe como usar e isso impacta a governabilidade".

Sugeriu-se alguns temas aos quais os respondentes poderiam indicar como sendo aqueles de interesse de leitura e compartilhamento: (i) execução de obras públicas; (ii) analisando promessas políticas x prestação de serviço público; (iii) qualidade do serviço público prestado, (iv) corrupção, (v) iniciativas de sucesso da administração pública; (vi) outros. A tabela 3 a seguir apresenta os percentuais de cada tópico. Destaca-se que 14,50% (19) afirmaram compartilhar informações sobre todos os assuntos indicando, portanto, um maior nível de engajamento e possivelmente com maior propensão para o exercício do controle social.

Tabela 3.
Tipo de informação mais compartilhada
 Tipo de
informação mais compartilhada
Fonte: Dados da pesquisa

Como pôde ser visto, a corrupção é o tema que tem sido mais compartilhado pelos respondentes. Contudo, o especialista em sua fala apontou que:

"O problema do Brasil não é só a corrupção e ela não está apenas no governo... não vale a pena colocar no centro do esforço público combater a corrupção, ela é consequência das ações de controle interno e externo. [A solução é] dotar o cidadão de capacidade para exercer o controle social, especialmente os grupos sociais que participam da arena política, fomentando a disponibilidade de informações para esses grupos específicos, com ferramental compreensível que permita que o cidadão individual possa também se manifestar e se agrupar".

Apesar de a pesquisa indicar que a maioria dos respondentes acompanha o Governo do Estado de Pernambuco nas redes sociais, a maioria dos compartilhamentos de informações dos temas acima não são dessa esfera e sim das ações/decisões/comportamento da esfera federal, 54,96% (72), seguido da municipal, 9,16% (12) e, estadual, 5,34% (7).

Se por um lado as redes/mídias sociais são frequentemente utilizadas no cotidiano das pessoas, surpreende que os entrevistados indicaram na sua maioria, 74,81% (98) já terem utilizado Portal da Transparência, no entanto, percebe-se a possibilidade e o risco de distorção das informações e da geração de fake news uma vez que 77,10% (101) dos respondentes disseram nunca ter utilizado a Lei de Acesso à informação, ou seja as informações não estão necessariamente sendo verificadas, e possivelmente as informações disseminadas não estão realmente fundamentadas.

Segundo o especialista

"o cidadão não consegue ver a hierarquização dos recursos, da contabilidade, da burocracia que muitas vezes não está explícita e limita a participação pública. O cidadão não consegue acessar com o que existe e acaba que a administração pública é negligente em fornecer de forma clara e objetiva as informações para o controle social".

"...como o cidadão vai contribuir com alguma coisa se não tem informação, o conceito nobre de política passa pela forma como a gente decide coletivamente como os recursos que são de todos, serão gerenciados…e acaba passando muito pelas discussões financeiras e instrumentais que rebatem em transparência...".

O especialista relatou, que como cidadão, fez um pedido de informação (usando a Lei de Acesso à Informação) à Controladoria do Estado de Pernambuco sobre os recursos utilizados como despesa pública entre os anos de 2014 a 2021 para elaborar uma atividade acadêmica, e que "ainda é algo muito distante disponibilizar uma informação útil para ser compreendida pelo o cidadão". Acrescentou que existe uma massa de dados descritiva não legível para muitos da sociedade. Falta então usabilidade, linguagem compreensível, uma vez que a administração pública não consegue entregar a informação compreensível mesmo em painéis gráficos interativos sem sanar o problema do excesso de dados.

Segundo o entrevistado, a inteligência artificial (AI) seria uma forma de solucionar parte do problema de controle social externo: "Não tem ferramenta de AI nos portais da transparência, nenhum deles tem isso disponível.... por exemplo não se tem informações sobre as anomalias que são referentes às despesas e gastos públicos".

Mesmo assim, destacou que

"...quase sempre consegue tudo que precisa, o poder executivo de PE é muito ativo e muito efetivo antes mesmo da obrigatoriedade e isso foi implantado pelo [ex-governador] Eduardo Campos que se antecipou e fez da participação ativa e transparência ativa meta de governabilidade".

Quando questionado sobre os avanços nos últimos 10 anos no controle social externo, o especialista respondeu:

"Avançamos em ferramentas, mas não em participação direcionada. Os grupos estão lutando pelos próprios interesses. Tem um refluxo importante das lutas de classe, dos movimentos sociais. Os governos não conseguiram fazer a conscientização da cidadania, da politização e hoje temos um cidadão não esclarecido e sem acesso a dados, ou sem entender os dados e promovendo o radicalismo".

Confrontando a opinião do especialista com a a coleta de dados com cidadãos sobre o exercício do controle social através de mobilizações como a assinatura de petições ou abaixo-assinado por meio da internet, encontrou-se que 22,14% (29) já assinaram ao menos uma vez uma petição ou documento similar, e 67,18% (88) disseram ter assinado mais de uma vez. Além da mobilização por meio da internet foi questionado sobre a participação em manifestações conforme pode ser visto na tabela 4.

Tabela 4.
Participação nas Manifestações
Participação nas Manifestações
Fonte: Dados da pesquisa

Os dados anteriores vão ao encontro da opinião do entrevistado e dos estudos acadêmicos. O especialista reafirma o que apontam os discursos acadêmicos sobre a importância da participação social no controle sobre a administração pública.

"A luta de classes é um componente importante no controle social, é preciso definir um objetivo para o controle social. Governança é a forma como as organizações são dirigidas e controladas em busca dos seus objetivos. Inserindo então as partes interessadas (...) a participação cidadão deve ocorrer seja o civil individualmente ou coletivamente (...) por exemplo os jornalistas não entendem o portal da transparência (...) tecnicamente ele está compreensível, mas não na linguagem que o cidadão interessado lê e interpreta".

Chama atenção que a maioria dos respondentes, 80,92% (106) afirmar[am que nunca fizeram parte de nenhuma organização de pressão à administração pública, por outro lado, 10,69% (14) participam neste momento e, 8,40% (11) já participaram, mas não participam atualmente.

Notou-se que 3 respondentes que disseram nunca ter participado de manifestações sociais nas ruas também responderam que já fizeram parte de organizações que atuam exercendo pressão sobre a administração pública, mas não participam mais. Isso está ligado ao fato de que muitos movimentos sociais eram organizados de outras formas, já que as redes sociais é algo relativamente novo.

Os dados de campo apontam ainda que 38,93% (51) dos respondentes acredita que a pressão sobre a administração pública pelas redes sociais é válida apesar de reconhecer que existem outras formas. Interessante perceber que ao fazer o cruzamento desta última questão com outras percebe-se que os que marcaram que a pressão nas redes sociais não faz diferença 4,58% (6), em sua maioria não acompanham os órgãos públicos nas redes sociais, só compartilham informações sobre corrupção, nunca utilizaram o portal da transparência, não demandaram pedidos de informação usando a Lei de Acesso à informação, e, não participam de manifestações nas ruas organizadas pelas redes sociais.

Segundo o especialista entrevistado a boa governança no setor público tem que estar assentada no controle interno, controle social, e, no controle externo. Segundo ele "antes de entrar na agenda pública as políticas entram num processo de uma disputa e nem todos vão ser protagonistas desse processo, os que tiverem mais força é que vão ter capacidade de interferência, [e] são aqueles que se fizerem ouvir e buscar seus interesses".

Por outro lado, dos que marcaram que é através das redes sociais que se consegue pressionar a administração pública, a maioria, acompanha mais de dois órgãos públicos nas redes sociais, também já utilizou o portal da transparência e, compartilham notícias sobre vários temas da gestão pública, apontando então para um exercício ativo do controle social externo.

5. Conclusões

Impulsionada pelas tecnologias da comunicação e informação, a sociedade explicita seu protagonismo utilizando instrumentos e canais de mídias, redes sociais, plataformas digitais colaborativas, e manifestações nas ruas para reivindicar o controle social que inclui a escuta de suas demandas.

Configuram-se, portanto, pressões sobre a gestão pública que buscam soluções para problemas de reconhecimento de direitos civis, de questões éticas e, de valores humanos muito presente na contemporaneidade. Evidências empíricas reforçam esse protagonismo das mais diversas formas como o movimento estudantil, feminista, negro, LGBTQIA+, ambiental, dentre outros.

Os resultados encontrados no questionário são coerentes com a opinião do especialista entrevistado e com os discursos teóricos apontados ao longo do texto. Evidências que confirmam a opinião de Palassi; Martins; Paula (2016) sobre os espaços participativos configurados cada vez mais por mecanismos institucionais e não institucionalizados.

Apesar de ainda incipiente, a representatividade individual e coletiva se mostra proeminente diante do perfil dos residentes de Recife que compuseram a amostra, o que permite inferir que as manifestações coletivas têm ganhado representatividade, assim como a capacidade de mobilização para o exercício do controle social. Portanto, a administração pública não deve ignorar ou menosprezar o potencial positivo e negativo que os instrumentos e canais/mídias são capazes de promover.

Devem sim, acompanhar as tendências e assumir institucionalmente o compromisso de alimentar as diversas fontes de dados com informações claras, transparentes, precisas e inteligíveis para os grupos de cidadãos e não apenas para o cidadão comum, como afirmado pelo especialista aquele que "não tem rosto". É preciso dar rosto aos cidadãos, entender as demandas por informações e dotá-los de conhecimento para o amadurecimento da participação cidadã.

Como já afirmaram Cançado, Pinheiro (2016) entende-se que essa não é uma tarefa fácil, rápida e que requer o esforço coletivo de todos os agentes que compõem a administração pública especialmente na atualidade quando se tem conhecimento do poder degenerativo do tecido social que as redes sociais, quando mal administradas, possuem. Vivenciamos, no Brasil e no mundo, a efervescência e a incitação da polaridade das sociedades diante de ideologias, posicionamentos e fatos políticos que tem causado desordem e incitado a violência. Por outro lado, o futuro dirá se esse momento político significa um avanço do empoderamento do cidadão para o exercício do controle social elevando, portanto, a capacidade de participação social no desenvolvimento local ou, se esse momento contribuirá para o desmoronamento das democracias.

Cabe portanto, a administração pública ficar atenta para que não se proliferam as fake news, a disseminação do ódio, da polarização, e sim que sejam criados espaços de debate, esclarecimento, trocas de informações que promovam a melhoria contínua da prestação dos serviços públicos com vistas ao bem maior, o da geração de valor para o estado e a sociedade.

Fica também a contribuição desse artigo à academia ao trazer evidências empíricas dos avanços e limitações das práticas de controle social em um município de grande porte como Recife. Salienta-se ainda que apesar dos dados serem válidos e úteis para chamar a atenção de todos os envolvidos no controle social, em trabalhos futuros sugere-se ampliar o número de questionários válidos para diminuir o erro amostral e aumentar o nível de confiabilidade dos dados quantitativos, assim como buscar a opinião qualitativa de mais especialistas para contribuir com a triangulação dos dados e, amplificar a discussão sobre o tema.

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Notas

1 www.avaaz.org
2 www.change.org
3 www.abaixoassinado.org

Informação adicional

Para citar este artículo: Pasa Gómez, C.; De Oliveira Alves, L.; Leite Rodrigues, A.; Eliseu Costa, R. (2021) “Aperte o controle: o exercício do controle social sobre a gestão pública - o caso de Recife, Brasil” DAAPGE Vol. 21, N° 37, 2021, pp. 22-41. UNL, Santa Fe, Argentina.

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