Intervenciones
Comunicação estratégica em contextos de desastres socioambientais: metodologias colaborativas de extensão universitária em Maceió, Brasil
Strategic communication in contexts of socio-environmental disasters: collaborative methodologies of university extension in Maceió, Brazil
Comunicación estratégica en contextos de desastres socioambientales: metodologías colaborativas en extensión universitaria en Maceió, Brasil
Comunicação estratégica em contextos de desastres socioambientais: metodologias colaborativas de extensão universitária em Maceió, Brasil
Revista de Extensión Universitaria +E, vol. 14, núm. 20, e0007, 2024
Universidad Nacional del Litoral
Recepción: 24 Abril 2024
Aprobación: 22 Mayo 2024
Resumo: O presente texto faz uma reflexão sobre a utilização de abordagens metodológicas colaborativas em projetos de extensão voltados para a área da comunicação, mais especificamente para a comunicação estratégica em contextos de desastres socioambientais. Para tanto, olha para as ações do projeto de extensão do curso de Relações Públicas da Universidade Federal de Alagoas, Brasil, o Laboratório Colaborativo de Comunicação. Parte-se de uma compreensão de extensão universitária como a troca de saberes –acadêmico e popular– tendo como consequência a democratização do conhecimento, a participação efetiva da comunidade na atuação da universidade e uma produção resultante do confronto com a realidade. Defende-se que os processos colaborativos, que são distintos dos cooperativos, geram aprendizados para todos os envolvidos, abrindo caminho para a apropriação dos fazeres, linguagens e tecnologias, além de possibilitar problematizações coletivas das questões sociais.
Palavras-chave: extensão universitária, comunicação estratégica, desastre socioambiental, enfoques metodológicos colaborativos, Laboratório Colaborativo de Comunicação.
Abstract: This paper discusses the use of collaborative methodological approaches in university extension projects in the area of communication, more specifically for strategic communication in contexts of socio-environmental disasters. To this end, see the actions of the extension project for the Public Relations course at the Federal University of Alagoas, Brazil, the Collaborative Communication Laboratory. It starts from an understanding of university extension as the exchange of knowledge —academic and popular— resulting in the democratization of knowledge, the effective participation of the community in the university’s activities and a production resulting from the confrontation with reality. It is argued that collaborative processes, which are distinct from cooperatives, generate learning for everyone involved, paving the way for the appropriation of actions, languages and technologies, in addition to enabling collective problematization of social issues.
Keywords: university extension, strategic Communication, sócio–environmental disaster, collaborative methodological approaches, Collaborative Communication Laboratory.
Resumen: Este texto reflexiona sobre el uso de abordajes metodológicos colaborativos en proyectos de extensión específicos en el área de la comunicación, más específicamente para la comunicación estratégica en contextos de desastres socioambientales. Para ello, aborda las acciones del proyecto de extensión de la carrera de Relaciones Públicas de la Universidad Federal de Alagoas, Brasil, el Laboratorio de Comunicación Colaborativa. Se parte de una comprensión de la extensión universitaria como el intercambio de conocimientos —académicos y populares— que resulta en la democratización del conocimiento, la participación efectiva de la comunidad en las actividades universitarias y una producción resultante de enfrentarse con la realidad. Se sostiene que los procesos colaborativos, distintos de los cooperativos, generan aprendizajes para todos los involucrados, allanan el camino para la apropiación de acciones, lenguajes y tecnologías, además de posibilitar la problematización colectiva de cuestiones sociales.
Palabras clave: extensión universitaria, comunicación estratégica, desastre socioambiental, enfoques metodológicos colaborativos, Laboratorio Colaborativo de Comunicação.
Introdução
Nos últimos anos, o Brasil tem sido palco de tragédias socioambientais que devastaram a vida de milhares de famílias, afetando não apenas a economia local, mas resultando em mortes, na destruição da fauna e da flora e atingindo a vida dos cidadãos de várias localidades. Situado nesse contexto, o Laboratório Colaborativo de Comunicação - CoLabCom, do Curso de Relações Públicas da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), busca desenvolver competências técnicas e conceituais de gestão da comunicação de movimentos sociais que resistem a tais processos de destruição.
Premidos pelo desastre socioambiental provocado pela mineradora Braskem em Maceió, capital de Alagoas - o processo extrativista, realizado pela petroquímica é responsável pelo afundamento do solo que afetou severamente cinco bairros e gerou o rompimento de uma das 35 minas (Mina 18) localizadas às margens da Lagoa Mundaú -, percebemos a grande necessidade de aprimoramento da comunicação das pessoas afetadas pela situação, parte delas integradas ao Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB). Nesse ínterim, a missão do projeto consiste em construir conhecimentos compartilhados sobre planejamento e gestão da comunicação estratégica, do diagnóstico e análise de cenários até a produção de peças de comunicação (textuais e visuais). A ideia é compartilhar saberes de relações públicas para colaborar com o desenvolvimento da sociedade, gerando visibilidade para diferentes formas de organização social e política.
Considerando que a produção de conhecimento na Extensão se dá na troca de saberes sistematizados – acadêmico e popular –, tendo como consequência a democratização do conhecimento, a participação efetiva da comunidade na atuação da universidade e uma produção resultante do confronto com a realidade, conforme afirma Nogueira (2000), a proposta de ação extensionista do CoLabCom se pauta num trabalho “com” a comunidade, e não “para” ela.
O artigo 67 do Regimento da Ufal define a Extensão Universitária como processo educativo, cultural e científico que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre Universidade e Sociedade. Seu inciso III afirma que a Extensão observará compromissos sociais, éticos e políticos com os interesses coletivos da Sociedade e com os valores da cidadania, particularmente com os da região Nordeste e do Estado de Alagoas. Nogueira (2019) ressalta que a extensão tem um papel fundamental na transformação da universidade pública no sentido de torná-la um instrumento de mudança social em direção à justiça, à solidariedade e à democracia.
Diferentemente de uma mera dimensão transmissiva, linear e simplista dos processos comunicativos (França, 2003), que se pauta apenas na publicização de informações, o CoLabCom coloca-se como um lugar de mediação entre os diversos atores que compõem a rede de atuação do projeto, buscando criar e fortalecer tais interlocuções, indo ao encontro do que propõe o esquema “praxiológico” defendido por Quéré (1991). Nesse esquema, a comunicação é entendida como “uma atividade conjunta de construção de uma perspectiva comum, de um ponto de vista partilhado” (Quéré, 1991, p. 76), sendo concebida como um dos elementos constitutivos dos processos mobilizadores que caracterizam a atuação do CoLabCom, à medida que contribuiu para a criação e o fortalecimento de vínculos entre os públicos envolvidos e o projeto mobilizador (Henriques, 2004).
Nesse esteio, o projeto compreende a comunicação como sinônimo de interação e tessitura de conversações, buscando criar perspectivas para que ela seja acessível e possível para os grupos populares, de modo a fortalecê-los, bem como as causas que promovem, aumentando o engajamento dos variados públicos a tais causas. Sendo vinculado ao curso de Relações Públicas, a noção de comunicação estratégica também é fundamental ao CoLabCom. Entretanto, cabe destacar que nosso entendimento de estratégia está alinhado com o que propõem Lima, Xavier e Vargens (2022, p. 337), que veem “a estratégia como uma referência orientadora da atuação de cada grupo, tendo em vista a construção da causa de interesse público pela qual ele atua e o fortalecimento do vínculo com os públicos com os quais ele se relaciona”.
Os pilares do projeto também estão assentados nos estudos de Paulo Freire (1975, 1980, 2014). O autor traz para a extensão as suas reflexões na educação, principalmente a noção de dialogicidade como essência da educação. “A educação como um quefazer humano, que ocorre no tempo e no espaço, entre homens, uns com os outros, mediatizados pelo mundo, em busca permanente, em sua vocação ontológica de ser mais. Assim, não há ação educativa que seja neutra” (Nogueira, 2019, p. 29). Para Freire (1980), só aprende verdadeiramente aquele que se apropria do aprendido, transformando-o em apreendido, podendo assim, reinventá-lo. Ou seja, aquele que consegue aplicar o aprendido em situações concretas existenciais.
Nogueira (2019) argumenta que o mundo não pode mais ser explicado com base em saberes que veem a realidade de forma compartimentada e fragmentada. A realidade deve ser compreendida em toda sua complexidade e a universidade precisa promover a transdisciplinaridade, concebendo e executando a Extensão sob a égide da integralidade de funções, ou seja, como atividade associada ao Ensino e à Pesquisa. Por isso, as atividades do CoLabCom têm interfaces com as disciplinas já existentes no curso de Relações Públicas da Ufal, como as de Comunicação Pública, Gestão Estratégica de Projetos de Relações Públicas, Pesquisa de Opinião Pública, Planejamento Gráfico e Editoração, Oficina de Texto em Comunicação, etc., e também com o Grupo de Pesquisa do CNPq Baleia - Laboratório de Estudos em Comunicação, Organizações e Narrativas do Capitalismo.
Outro ponto importante que consideramos é a transculturalização do conhecimento, que Castro-Gómez (2007) ressalta ser essencial nas academias. Isso significa permitir o encontro das epistemes, ditas científicas, com outras formas culturais de produzir conhecimento, os saberes que interpretam a realidade como um conjunto articulado e interdependente de fenômenos.
Com base nessas premissas, as atividades de 2023-2024 do CoLabCom foram divididas em duas fases: uma fase de diagnóstico e planejamento estratégico de comunicação, realizada de setembro de 2023 a março de 2024; outra fase concentrada na produção de peças gráficas, textos, sites, perfis em redes sociais, dentre outros produtos, iniciada em abril de 2024, com previsão de quatro meses de execução. As atividades estão concentradas em duas organizações principais: o MUVB e a Associação da Criança e do Adolescente de Chã do Bebedouro (ACACB).
Criado em 2020, o MUVB se constitui como um movimento com a proposta de unir vítimas e associações de pessoas afetadas pelo desastre socioambiental da Braskem, em Maceió, Alagoas. Trata-se de uma organização em processo de formalização e cuja causa consiste na reparação integral das vítimas da petroquímica. Já a ACACB surgiu na década de 1980, com a junção de um grupo de mulheres religiosas católicas que premidas pela Campanha da Fraternidade de 1987, cujo tema era “Quem acolhe o menor, a mim acolhe”, resolveram desenvolver ações com as crianças e os adolescentes da grota do Arranha-céu, localizada no bairro Chã de Bebedouro, também em Maceió. A escolha dessas organizações foi pautada, principalmente, pelo impacto que elas sofrem com a crise gerada pela Braskem e pelo contato inicial que tivemos quando da realização da Oficina de Diagnóstico Colaborativo de Comunicação, que oferecemos na Semana de Extensão e Cultura da Ufal (Semaexc), em setembro de 2023 na Ufal.
Considerando esses elementos, no presente texto discutiremos as abordagens metodológicas colaborativas de extensão voltadas para a área da comunicação, mais especificamente para a comunicação estratégica em contextos de desastres socioambientais, utilizadas na primeira fase do CoLabCom. Para tanto, analisaremos os resultados sistematizados dos planejamentos e oficinas realizados com as duas organizações. Desse modo, na primeira seção do artigo apresentaremos o contexto de atuação do projeto, demonstrando brevemente a crise socioambiental instalada na região. Na segunda seção discorreremos sobre as metodologias colaborativas empreendidas na primeira etapa do projeto, para, na terceira seção, discutirmos os dilemas, potencialidades e problemas em torno de sua implementação. Por fim, traremos algumas considerações acerca do que já foi realizado e dos encaminhamentos futuros do projeto.
Maceió e o desastre socioambiental da Braskem: o contexto de atuação do projeto
Completando seis anos desde os primeiros tremores e rachaduras, o desastre socioambiental provocado pela Braskem em Maceió teve início em 2018 e permanece em curso, expandindo-se para outros bairros além dos cinco enquadrados na área de risco pela mineradora. Apesar de ser um caso relativamente recente, suas causas remontam à década de 1960, no começo da Ditadura Militar (1964-1985), quando foi autorizada, pelo presidente-ditador Marechal Castelo Branco, a exploração de sal-gema por meio do Decreto n. 59.356/1966.
Localizada entre o Oceano Atlântico e as Lagoas Mundaú e Manguaba, a cidade de Maceió surgiu em 1819 como distrito de Alagoas, dois anos após a emancipação política da Capitania de Pernambuco, tornando-se capital do Estado em 1839. Seu nome tem origem na expressão tupi “Maçayó” ou “Maçayo-k”, que significa, em sentido literal, “o que tapa o alagadiço”, em referência à sua disposição geográfica (Carvalho, 2019). Além de referências no que se refere às belezas naturais típicas da região nordeste brasileira, a capital e o Estado têm um papel fundamental na política brasileira, embora pouco falado.
Os dois primeiros presidentes da República foram alagoanos, os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, bem como o primeiro presidente eleito após a Ditadura, Collor de Melo. Além disso, dois políticos alagoanos foram eleitos Presidentes do Congresso Nacional na última década, posição de grande impacto na política nacional, especialmente em um contexto de acirramentos políticos como nos anos recentes. Foram eles Renan Calheiros (MDB) e Arthur Lira (PP). A despeito de suas ações controversas como agentes públicos, a ascensão desses indivíduos a posições na alta hierarquia de poder demonstra a capacidade de articulação política do Estado, mesmo sendo o segundo menor em espaço territorial do país. A questão que coloca, portanto, é: como é possível, ainda assim, que Maceió tenha mergulhado em um desastre (ainda em curso) sem precedentes na história nacional?
A Salgema Indústrias Químicas Ltda foi fundada em 1967 por Euvaldo Luz, dono do Grupo Luz, após obter concessão de lavra para exploração de minério em área sob domínio da União (Marques, 2022). Em 1974 começaram a construir a indústria de cloro-soda e já no ano seguinte, em 1975, teve início a extração de sal-gema no Pontal da Barra, região lagunar da capital. Em 1976, o nome foi alterado para Salgema Mineração Ltda e em 1977 a empresa deu início à produção comercial. No ano em que a Ditadura chegava ao fim, a Salgema completava o ciclo com a ampliação de sua capacidade operacional.
O contexto político e econômico da época foi determinante para a autorização da exploração, especialmente quando consideramos a fragilidade das leis ambientais. A maior motivação para a concessão via decreto era econômica, visto que a lógica desenvolvimentista orientava muitas das ações deste regime autoritário. Tendo como principal acionista o Grupo Odebrecht, a empresa passou a se chamar Trikem em 1997, mudando mais uma vez em 2002, quando assumiu o nome de Braskem SA, cujos principais acionistas eram a Novonor (antiga Odebrecht), 50,1 % das ações, e a Petrobras, com 47 %.
Apesar de, historicamente, manter relações profícuas com as instâncias de poder, foi como Braskem que a empresa passou a investir mais em sua imagem institucional e no fortalecimento de seu capital social. Com a emergência das mídias sociais e a digitalização de veículos tradicionais de imprensa, a empresa viu diante de si um cenário complexo que poderia trazer tanto benefícios como problemas. De um lado, o investimento em propaganda tinha capacidade de gerar mais retorno, por outro, o maior acesso das pessoas aos acontecimentos do mundo poderia dar visibilidade aos resultados maléficos da mineração.
Desde sua inauguração como Salgema, a Braskem tem enfrentado contestações do seu modelo de mineração. Na tentativa de abafar tais protestos, a petroquímica sempre manteve uma relação de proximidade com os poderes, inclusive a imprensa. Assim, surgiu, em Alagoas, o “Prêmio Braskem de Jornalismo”, cujo objetivo era premiar jornalistas e estudantes da área a partir da avaliação dos melhores produtos. A premiação contava com uma série de categorias e valorizava temáticas sustentáveis. Além disso, a empresa era uma das principais anunciantes nos veículos de comunicação do Estado, o que reforçava a necessidade de colaboração com a imprensa.
A Braskem também oferecia um programa de estágio cheio de benefícios e bolsas diferenciadas para diversos cursos de graduação em Alagoas, o que tornava as vagas concorridas e o trabalho valorizado pelas instituições de ensino superior. Todas essas ações se constituíam como estratégias de comunicação e relacionamento da empresa para melhorar sua imagem e minimizar quaisquer crises, como aquelas envolvendo acidentes decorrentes de suas atividades de mineração.
Em 2018, quando o processo de afundamento do solo começou a ocorrer no bairro do Pinheiro, a Braskem negou até onde pôde a relação com a mineração. Foi somente após a divulgação do relatório técnico do Serviço Geológico do Brasil (SGB, antigo CPRM) sobre o fenômeno de subsidência do solo na região que veio a público as causas do desastre, que estava e ainda permanece em curso até hoje. De acordo com o documento, o afundamento, rachaduras, tremores e as significativas cavidades geradas nesse processo resultam de uma longa atividade de mineração do sal-gema que teve início na década de 1970. Apesar das contestações da Braskem, ficou difícil negar os fatos tão evidentes e os prejuízos materiais e imateriais gerados para a população local.
O desastre logo se expandiu para outros bairros, totalizando cinco, que contavam, à época, segundo o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com as seguintes populações: Pinheiros (16 859); Bebedouro (10 103); Bom Parto (12 841); Farol (2632); e Mutange (19 062). Além desses bairros, que integram a área de risco, outras regiões foram afetadas, seja por meio de eventos geológicos ou de fenômenos sociais, como o isolamento social, limitando o acesso dos moradores a equipamentos públicos, transporte e serviços essenciais de saúde, segurança e alimentação. É o caso dos Flexais e de Chã do Bebedouro, que estão nas “bordas”, isto é, no entorno da área considerada de risco.
Referimo-nos a esse desastre como socioambiental porque seus impactos são sentidos não apenas no meio ambiente, mas também nas várias dimensões da vida social. A intensidade das crises também varia conforme marcadores sociais como classe, gênero, raça e etnia. Ademais, também temos um desastre criado por um estado de incertezas geradas pela própria organização, além da evidente expressão social da vulnerabilidade (Gilbert, 1998).
A partir da inquietação das vítimas da Braskem, que, além de sofrerem com as perdas decorrentes do desastre, enfrentavam o silenciamento da situação, o que se agravou durante a pandemia da Covid-19, em 2020 foi criado o MUVB. Com a proposta de unir as causas de diferentes vítimas afetadas pelo desastre socioambiental da Braskem, integrantes de associações já existentes e outras vítimas autônomas se juntaram em prol da causa que os unia: a busca por justiça e reparação integral dos danos materiais e imateriais provocados pela mineradora.
A indignação e vontade de transformar a realidade não eram suficientes, no entanto, para desenvolver uma comunicação eficiente e produtiva com seus públicos. Quando iniciamos o projeto de extensão, o MUVB contava apenas com uma página no Instagram para falar com a sociedade e denunciar as ações da empresa. Mas percebemos que não havia estratégia para se comunicar, resultando em conteúdos confusos e com pouco potencial de engajamento. Iniciamos o diálogo com os membros responsáveis pela Comunicação, que apesar de não terem formação na área e contarem com uma alta demanda de trabalho, eram muito proativos e solícitos com a equipe.
Com o rompimento da Mina 18, em novembro de 2023, a situação se tornou ainda mais insustentável, o que contribuiu para dar celeridade ao processo de abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), no Senado Brasileiro, para investigar “os efeitos da responsabilidade jurídica socioambiental da empresa Braskem SA” e cujo principal objetivo “é assegurar a justa reparação aos afetados pelos danos ambientais iniciados em 2018, causados pela exploração do mineral sal-gema pela petroquímica” (Guedes, 2024).
O fato mobilizou diferentes setores da sociedade e irrompeu na mídia nacional e internacional como um assunto de grande repercussão, diferente do que vinha ocorrendo em relação ao desastre desde 2018. Mesmo com os esforços da Braskem para evitar abordar o caso e investir fortemente em campanhas institucionais, o risco de aprofundamento da tragédia com o rompimento da mina somado ao decreto de estado de emergência pela Prefeitura de Maceió, tornou a situação difícil de ser controlada – ou mesmo silenciada.
É nesse contexto de um desastre socioambiental em curso que as atividades extensionistas do CoLabCom são desenvolvidas. Para melhor compreensão da nossa atuação nesse cenário, na próxima seção detalharemos nossas abordagens metodológicas colaborativas, ressaltando as peculiaridades de um fazer extensionista dialógico e socialmente preocupado.
Abordagens metodológicas colaborativas de extensão universitária
A Extensão Universitária é um dos três pilares que sustentam a noção contemporânea de universidade. Nogueira (2019) destaca que, em seus primórdios, as atividades de extensão consistiam em cursos e conferências ministrados para integrantes das classes operárias que não tinham acesso às universidades. Tais atividades foram, em sua maioria, fruto do movimento estudantil, caracterizada pela preocupação dos estudantes em “levar o saber” às camadas populares. Ainda assim, a autora ressalta que, ao se verificar os documentos e declarações estudantis de vários países latino-americanos, como Argentina, Brasil, Cuba, Uruguai, Peru e Chile, pode-se perceber traços de dominação e elitismo nas propostas e ações de extensão realizadas. Ideias como “quem sabe ensina para quem não sabe”; “quem tem cultura leva para quem não tem”, eram presentes no pensamento dos primeiros extensionistas latino-americanos (Nogueira, 2019).
Nogueira (2019) aponta que, no Brasil, mesmo institucionalizada em algumas universidades, inicialmente o próprio desenrolar das atividades de extensão foi caracterizando-a como algo isolado, atendo-se à divulgação de resultados de pesquisa e reforço a um ensino elitista, por meio de cursos, muitos deles na perspectiva da educação continuada, destinados a uma camada mais privilegiada da população. Do ponto de vista da legislação brasileira, a primeira referência à Extensão Universitária é feita em abril de 1931, simultaneamente, em três decretos que compuseram a proposta de Reforma do Ensino Superior da República.1 Segundo tal proposta, a extensão tem como função estender as benesses do meio universitário aos que não estão, diretamente, a ele vinculados e, por meio dela, dar-se-ia maior reverberação às atividades universitárias que poderiam colaborar para elevar o nível de cultura do povo (Nogueira, 2019).
A primeira mudança significativa na conceituação da extensão na América Latina surge com base nas ideias do educador brasileiro Paulo Freire. A partir da década de 1960, as reflexões de Freire sobre extensão bem como toda sua proposta pedagógica e educacional influenciaram profundamente as concepções e práticas de extensão universitária em toda a América Latina. Para o autor, educar e educar-se, na prática da liberdade, não é estender algo com base na “sede do saber” até a “sede da ignorância” para salvar com esse saber os que habitam nesta sede. Ao invés disso
“educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que sabem que pouco sabem (...) em diálogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem, para que estes, transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam igualmente saber mais”. (Freire, 1975, p. 25)
Não é nossa intenção fazer toda uma recuperação histórica da Extensão Universitária, mas situar que no contexto latino-americano houve uma evolução significativa do conceito, saindo de uma prática elitista e até mesmo colonizadora para um fazer dialógico, interdisciplinar e democrático. O próprio Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras2 (Forproex), importante entidade para a área no país, afirma que a extensão tem um papel fundamental com a transformação da universidade pública no sentido de torná-la um instrumento de mudança social em direção à justiça, à solidariedade e à democracia. Tal processo é essencial para a formação do estudante, a qualificação do professor e o intercâmbio com a sociedade (Forproex, 2012).
Imbuídos desse espírito, buscamos construir uma perspectiva metodológica colaborativa para as ações a serem desenvolvidas no CoLabCom, cujo foco está na comunicação estratégica em um contexto de desastre socioambiental. Para tanto, além das premissas extensionistas já mencionadas, também nos inspiramos nos trabalhos da Agência de Comunicação Solidária (ACS), experiência da Agência de Iniciativas Cidadãs (AIC).3 A ACS promove o acesso de coletivos, organizações e movimentos da sociedade civil à comunicação e a outros recursos estratégicos necessários para que assegurem suas condições de existência e se desenvolvam.
Diante disso, cabe destacar o que entendemos por colaboração. Tal palavra, apesar de ser tratada como correlata à cooperação, tem suas peculiaridades. Segundo o Glossário Colabora,4 enquanto a cooperação diz respeito a uma ação conjunta de determinada coletividade para atingir certo objetivo comum, em que cada um cumpre com a sua parte para que o grupo atinja o resultado esperado, a colaboração diz mais sobre uma corresponsabilidade dos sujeitos em todo o processo. Na colaboração, há o engajamento dos sujeitos ao longo de toda a criação de um projeto ou da construção da solução para um problema.
“Mais do que o resultado da soma de esforços, colaborar envolve porosidade e afetação recíproca, ensinar e aprender. (...) Mais do que somar recursos, o que está em jogo é criar algo novo – um amálgama nascido da interação – e gerar algo de novo para a compreensão de cada um dos envolvidos”. (Lima, São Pedro e Faria, 2022, p. 315)
As experiências colaborativas empreendidas possibilitam que os sujeitos concernidos tenham autonomia de fazer as próprias escolhas e construir um caminho próprio e singular. Tais experiências, ao serem transpostas para o âmbito da comunicação estratégica, como é o caso do CoLabCom, são calcadas numa lógica de criar ao mesmo tempo em que se problematiza o que se cria e em qual contexto. Isso acaba gerando uma problematização ampla, na qual a ação dos grupos é colocada em perspectiva.
Na prática, nosso percurso metodológico engloba os seguintes processos: a) realização de encontros entre os alunos e os grupos envolvidos de forma a permitir que os primeiros conheçam os projetos, o histórico, os valores e a missão de cada um dos grupos apoiados; b) realização de oficinas voltadas para o diagnóstico, planejamento e produção em comunicação com os grupos; c) realização de seminários e reuniões devolutivas com os resultados dos trabalhos feitos com cada grupo. Como dito anteriormente, dividimos o projeto em duas fases: uma fase de diagnóstico e planejamento estratégico de comunicação; outra fase concentrada na produção de peças gráficas, textos, sites, perfis em redes sociais, dentre outros produtos. Nesta seção, abordaremos os aspectos metodológicos utilizados na primeira fase, que já foi concluída.
As atividades estão concentradas em duas organizações principais: o MUVB e a ACACB. Cada organização tem sua idiossincrasia de funcionamento e atuação. Para melhor consecução dos trabalhos, a equipe dos cinco estagiários voluntários de graduação foi dividida em duas, sendo que um dos grupos conta com a participação voluntária de uma estudante de doutorado. Assim, temos dois grupos de quatro integrantes, cada um orientado por uma das docentes da coordenação do projeto e trabalhando com uma organização específica. Mesmo estando dividida, a equipe geral do projeto realiza reuniões semanais de acompanhamento, planejamento, avaliação e socialização das atividades.
Na primeira fase do projeto, as atividades foram concentradas no diagnóstico e planejamento colaborativos de comunicação. Desse modo, foram realizadas três oficinas com cada organização, além do briefing de comunicação, conforme detalha a Tabela 1.
Oficina | MUVB | ACACB | ||||||
Data | Participantes | Data | Participantes | |||||
Oficina 01 - Aprofundamento do Diagnóstico | 25/11/2023 | 2 | 25/11/2023 | 10 | ||||
Briefing de Comunicação | 09/12/2023 | 2 | ||||||
Oficina 02 - Diretrizes e Plano de Ações | 02/03/2024 | 6 | ||||||
Oficina 03 - Diagnóstico de Comunicação Visual | 03/02/2024 | 2 | 19/03/2024 | 10 |
A Oficina 01 foi dividida em três momentos: I) aprofundamento do diagnóstico; II) qualificação dos vínculos das organizações com seus diversos públicos; e III) briefing de comunicação. Falamos de aprofundamento, pois um trabalho inicial de diagnóstico foi realizado na Oficina de Diagnóstico Colaborativo da Semana de Extensão e Cultura da Ufal (Semaexc), em que representantes das duas organizações estiveram presentes. Na ocasião foi feito o mapeamento dos públicos estratégicos e qualificação dos seus vínculos com as organizações participantes.
O mapeamento dos públicos é o processo de identificação, segmentação e classificação dos vários públicos relevantes para o projeto mobilizador com os quais o grupo se relaciona. Utilizamos três categorias para classificá-los: beneficiados, legitimadores e geradores (B, L, G). Os beneficiados são todos que se enquadram na área de atuação do projeto, mesmo aqueles que são contrários ou não têm muita informação sobre ele. Os legitimadores são aqueles que reconhecem o trabalho do grupo como importante e útil, dando-lhe legitimidade social. Os geradores são aqueles que contribuem para criar as condições que garantem a existência e o funcionamento do grupo, agindo como agentes de mobilização (Lima, São Pedro e Faria, 2022). Para o desenvolvimento do mapeamento, utilizamos o Diagrama de Venn, que é construído através de bolinhas, onde no centro temos a principal, com o nome do coletivo, e ao redor outras que representam os públicos. Sobre as bolinhas: Tamanho, representa o grau de importância para o movimento; Cor, indica qual é o tipo de público e, por último, proximidade, onde as bolinhas perto do centro indicam a proximidade do público com o movimento e as afastadas indicam a sua distância.
Voltando à Oficina 01, no primeiro momento, após relembrarem o que foi feito na Semaexc, as equipes do CoLabCom conduziram rodas de conversa baseadas em temas orientadores propostos por Lima, São Pedro e Faria (2022): a) Quais desafios levaram à criação da iniciativa? b) Esses desafios são de interesse público? c) Eles são passíveis de soluções? d) Que soluções o grupo vem buscando/ajudando a construir? e) O grupo associa sua imagem e fazeres a valores mais amplos? Quais são eles?
Como Lima, Xavier e Vargens (2022) apontam, uma atuação em comunicação estratégica coerente com a matriz conceitual dialógica deve se basear na busca pela compreensão do contexto de cada interação. Na mesma direção, as práticas e as produções comunicativas devem ser entendidas como processos voltados a fomentar, articular, concatenar, organizar e fortalecer os fluxos das interações cotidianas. Por isso, esses temas norteadores são tão importantes para a construção colaborativa do diagnóstico de comunicação.
Ainda na primeira oficina foi solicitado que os grupos fizessem uma síntese da discussão baseada nos seguintes pontos: a) Qual a causa da organização e b) Onde buscam chegar. Após este momento, os participantes deveriam qualificar os vínculos da organização com os públicos levantados por eles mesmos. Ao fim, os membros discutiram o briefing de comunicação, buscando responder questões como: a) Quais as principais demandas de comunicação? b) Existe uma identidade visual criada? c) Quais os públicos prioritários a curto, médio e longo prazo? d) Quais mídias pretendem utilizar e têm mais dificuldade? e) Vocês têm algum tipo de relacionamento com a imprensa?
Com os resultados obtidos na primeira oficina, as equipes do CoLabCom analisaram o material e apontaram os cinco principais problemas de comunicação das organizações, conforme orientam Lima, São Pedro e Faria (2022), o que municiou a condução da Oficina 02. Baseadas nos cinco principais problemas de comunicação, as organizações refletiram por que esses são pontos a melhorar; quais as causas desses problemas; quais as soluções possíveis; quais atores estarão envolvidos nessas soluções e quais públicos deverão ser atingidos. A partir dessas reflexões, será possível criar um plano de ações colaborativo para os coletivos.
Na Oficina 03, o trabalho foi voltado para o diagnóstico de comunicação visual a partir do Bora! Jogo do Design Colaborativo,5 uma ferramenta metodológica criada pela Agência de Iniciativas Cidadãs que busca construir e pensar visualmente em grupo. O jogo auxilia na construção de identidades visuais autênticas e realmente alinhadas com os valores e objetivos dos grupos. Ele é um convite para fazer junto, unindo esforços e perspectivas para construir uma narrativa visual única. Para as oficinas com as organizações que estamos trabalhando, fizemos uma adaptação do jogo e abordamos principalmente os elementos que permitiam a criação de uma representação do grupo, explorando suas principais características e os contextos em que atuam. Também fizemos um exercício de estimular as organizações a mobilizarem referências estéticas e simbólicas que representam a essência e os valores da iniciativa. Essas referências serão a base para a construção da identidade visual, garantindo sua autenticidade e conexão com o propósito do grupo.
Considerando a metodologia aqui apresentada, na próxima seção traremos os resultados dos trabalhos desenvolvidos com as duas organizações e uma reflexão crítica sobre todo o processo da primeira fase do projeto.
Resultados alcançados
Apesar das oficinas terem uma base teórico-metodológica comum, as equipes utilizaram estratégias diferentes para cada grupo, considerando o tipo de organização, sua causa, seus objetivos e a quantidade de participantes. A seguir, apresentamos alguns resultados alcançados com os grupos e os primeiros feedbacks que obtivemos a partir dos aprendizados construídos coletivamente com as equipes do projeto.
Começando pelo MUVB, a primeira tarefa foi a construção de um diagnóstico de comunicação, realizada dentro de uma troca entre estudantes, docentes e membros do movimento. A fase inicial, que teve como ponto de partida a Semaexc, se deteve ao mapeamento dos públicos de interesse da organização, que podem ser visualizados na Figura 1. Foram identificados três públicos geradores (em verde), 12 legitimadores (em azul) e dois beneficiados (em rosa). Esses números foram fechados após a última oficina. No caso específico do MUVB, o cenário político se transformou repentinamente com o rompimento de uma das minas inativadas de exploração de sal-gema pela Braskem e confirmação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional. Assim os públicos se movimentaram, estabelecendo outras distâncias e interações com o grupo.
Com a iminência do desabamento da Mina 18 na orla da Lagoa Mundaú, cuja área de risco por possível efeito em escala fez aumentar a gravidade do caso, e o decreto de estado de emergência pela Prefeitura de Maceió, o desastre se tornou pela primeira vez um assunto de repercussão nacional e internacional, formando novos públicos e transformando a relação do MUVB com eles. Diante das controvérsias em torno do caso, várias organizações, pessoas e movimentos sociais se solidarizaram com o MUVB, estabelecendo vínculos antes não esperados. Isso movimentou o próprio grupo, o que envolveu também debates internos sobre as relações que deveriam ou não ser cultivadas, visto que os membros divergiam em alguns sentidos quando o quesito era política. Assim, a figura acima indica as últimas percepções identificadas até a última oficina com membros do MUVB.
Podemos afirmar que o vínculo era maior com comerciantes afetados, moradores resistentes e das bordas e a Defensoria Pública do Estado. A distância aumentava um pouco mais quando se tratava de moradores realocados, pois muitos perdiam o contato ou deixavam de se interessar pela causa. O mesmo ocorria com relação à universidade e aos parlamentares do Senado, o que mudou relativamente após o rompimento da Mina 18 e a instalação da CPI da Braskem. Acompanhando o MUVB em outros espaços além das oficinas, podemos afirmar que as principais distâncias encurtadas foram com relação aos movimentos sociais, a universidade, os moradores da borda e os parlamentares.
Desde os primeiros contatos com membros do MUVB, identificamos que eles tinham uma causa bem definida, a saber, a busca por justiça e reparação integral das vítimas do desastre da Braskem. Para alcançar seus objetivos, no entanto, seria necessário melhorar a comunicação da organização em diversos aspectos. Foram identificados como pontos críticos: 1) Comunicação em redes sociais e relacionamento com a imprensa; 2) Pautar as agendas pública, midiática e política; 3) Articulação com outros movimentos sociais e entidades de classe; 4) Identidade visual; 5) Planejamento de comunicação digital; 6) Discurso; e 7) Produtos de comunicação institucional.
As dificuldades provinham sobretudo por falta de recursos financeiros e humanos para a realização de atividades que exigiam não apenas uma compreensão mínima de comunicação e tecnologia, mas também de tempo. É importante ressaltar que os membros do MUVB faziam um trabalho voluntário no movimento, custeando suas próprias atividades vinculadas à causa. A comunicação nas redes sociais era assumida por um grupo reduzido de três pessoas que dividiam seu tempo com outros trabalhos. Em sua página no Instagram, a comunicação tinha um caráter puramente informacional e reduzido a repostar e compartilhar conteúdo de terceiros. A identificação desses problemas foi feita previamente com a equipe do projeto e discutida com os membros do MUVB que participavam da oficina.
Seguimos, assim, para o Diagnóstico de Comunicação Visual, que teve como base o jogo Bora! Para a oficina e este grupo em específico, cuja participação era reduzida, precisamos realizar algumas adaptações, o que foi muito positivo. O primeiro passo foi criar uma persona do MUVB, o que gerou muito interesse por parte dos membros, motivando-os a refletirem sobre sua causa e suas ações. Em resumo, se fosse uma pessoa, o MUVB seria alguém inconformado e questionador, que leva uma vida de luta pela justiça e gosta de estar em comunhão com os afetados.
Na segunda fase, distribuímos algumas imagens entre os membros para que eles pudessem indicar aquelas que mais representam a organização a fim de se construir um painel semântico ao final. Eles foram montando e desmontando até chegar a um conjunto de cartas que falavam sobre quem eram eles. A cada carta colocada à mesa, uma lembrança era ativada. Os interlocutores explicaram que aquelas imagens tinham a ver com suas vivências com a família e a comunidade, conectando elementos visuais com suas vidas no bairro. Lembraram das casas dos familiares e vizinhos, da lagoa que era fonte de alimento e sustento, dos rituais religiosos, de passagem e das festividades, até mesmo o bordado que era ensino por gerações.
A rememoração nem sempre ocorria de forma objetiva, sendo, às vezes, evocadas por meio de metáforas, como o bordado que lembrava avenidas, ruas e ladeiras dos bairros, e a colcha de retalhos que fazia referência aos fragmentos criados pelo desastre. As imagens geraram profunda reflexão e comoção por parte dos participantes, que se emocionaram ao lembrar de suas experiências, superando as expectativas da equipe.
A terceira fase foi adaptada, a qual nomeamos Repertorização e Nivelamento sobre Design Gráfico. Ela foi dividida em dois momentos. No primeiro, fizemos uma breve introdução teórica sobre princípios de composição, elementos visuais básicos, com enfoque em tipografia, cor e imagem. Apresentamos alguns exemplos para fixação de conteúdo, além de interagir o tempo todo com os participantes. No segundo, distribuímos as cartas para identificarem os elementos que mais representavam a identidade do movimento, segundo o que fomos traçando nas fases anteriores. Ao final, concluímos formas mais duras e a mistura de linhas retas com abstratas caracterizavam o movimento. O círculo, enfatizou umas das participantes, fazia referência à roda da vida, além da ideia de proteção, algo que eles buscavam. Eles elegeram como cores o cinza, que representavam as ruínas e as ruas rachadas, as cores terrosas e o verde, que estavam relacionados à vegetação abandonada. O preto era o luto e o vermelho a luta.
A metodologia se mostrou muito válida não apenas para a identificação dos problemas do MUVB, mas também para a construção de uma interação produtiva com os participantes. Percebemos que é possível fazer adaptações para diferentes realidades sem prejuízo de conteúdo. Entre os principais desafios encontrados tivemos o desenvolvimento das atividades planejadas com um grupo reduzido de pessoas, uma vez que apenas duas pessoas do Movimento participaram das oficinas.
Assim como no caso do MUVB, a primeira tarefa com a ACACB foi a elaboração de um diagnóstico de comunicação. Como dito na seção anterior, tal diagnóstico foi iniciado na oficina da Semaexc. Na ocasião, uma representante da ACACB esteve presente e realizou o mapeamento dos públicos, que pode ser observado na Figura 2. Foram mapeados cinco públicos geradores (em verde), sete legitimadores (em azul) e quatro beneficiados (em rosa).
A Associação apresenta vínculos mais fortes e próximos com as crianças e os adolescentes atendidos, bem como com suas famílias. Também os doadores e voluntários são públicos de crucial importância para a manutenção das atividades da organização. Interessante observar que a ACACB mapeou a Braskem como um público beneficiado, mas no sentido negativo. Na visão da organização, a empresa trouxe uma série de entraves, principalmente no que se refere ao deslocamento das famílias que eram atendidas pela Associação e tiveram que deixar suas casas por causa do risco de afundamento, além do esvaziamento do bairro que, consequentemente, aumentou a sensação de insegurança e a ocorrência de situações de violência.
Na oficina de aprofundamento do diagnóstico, em que mais membros da Associação participaram, os diversos problemas que a ACACB enfrenta em seu cotidiano foram destacados, principalmente os que se referem à dificuldade de manutenção e sustentabilidade financeira da organização. Contudo, os representantes da Associação têm muita clareza quanto à sua causa e sua visão. Eles postulam a causa como “Transformar vidas”, tanto das crianças e dos adolescentes atendidos, como de suas famílias e de toda a comunidade ao entorno. Como visão, afirmam que desejam alcançar mais crianças; tornarem-se mais conhecidos no município; fortalecer a articulação em rede com outras organizações e ter sustentabilidade.
O diálogo com os representantes da Associação também revelou que a demanda principal de comunicação é a criação de ações que possam dar mais visibilidade a ela, para atrair mais patrocinadores e voluntários, garantindo, assim, sua sustentabilidade e o atendimento das crianças e dos adolescentes. Outras demandas são a questão da gestão e produção de conteúdo para mídias sociais digitais e o estabelecimento de um melhor relacionamento com a imprensa.
A partir das demandas de comunicação identificadas no briefing, na Oficina 02 exploramos com mais profundidade os pontos críticos de comunicação. Foram trabalhados cinco pontos: 1) Falta de um porta-voz oficial da organização; 2) Ausência de relacionamento com a imprensa; 3) Gestão de mídias sociais; 4) Atração de novos voluntários e novos doadores e 5) Articulação com os Conselhos de Direito. Em conjunto, a equipe do CoLabCom e os participantes da oficina traçaram estratégias e possíveis formas de solucionar esses pontos críticos, explorando, principalmente, quais as causas desses problemas, quais as soluções possíveis, quais os atores estarão envolvidos nessas soluções e quais os públicos deverão ser atingidos. Todo o material oriundo da discussão foi sistematizado em um documento a ser entregue oficialmente à Associação.
Para fechar a primeira fase do projeto com a ACACB, realizamos o Diagnóstico de Comunicação Visual. Diferentemente das oficinas anteriores, em que membros da gestão da Associação, voluntários e alguns atendidos participaram, para esta oficina em que foi utilizado o jogo, nós convidamos mais adolescentes e jovens atendidos pela organização. Nosso objetivo era trazer mais elementos do cotidiano do atendimento para a identidade visual da Associação. A participação dos jovens, que inicialmente foi mais complexa, resultou em um excelente resultado. Eles se engajaram nas fases do jogo e criaram a persona da ACACB: uma pessoa que gosta de ajudar o próximo, que leva uma vida calma e tranquila e gosta de estar na natureza.
Diferentemente do que foi desenvolvido com o MUVB, com a ACACB nós exploramos a parte mais semântica do Bora! Além de criarem a persona da Associação, os jovens participantes também apontaram as imagens que constituem o painel semântico. Cartas que indicavam elementos de uma vida simples, com laços de uma comunidade periférica de uma cidade litorânea, foram as destacadas pelos participantes. No que se refere aos aspectos mais técnicos do design, optamos por apresentar uma proposta inicial a ser discutida com a ACACB, uma vez que ela já possui uma identidade visual consolidada. A ideia é que, nas oficinas de produção da próxima fase, sejam construídos conjuntamente templates, cores e tipografias a partir do que foi discutido na primeira fase.
Assumir a colaboração como metodologia de trabalho é a aposta educativa do CoLabCom. Uma das vantagens do processo colaborativo é a reunião de sujeitos diversos em uma situação de interação, ao longo da criação conjunta de algo. O processo exige que decisões sejam tomadas, que consensos sejam construídos. O debate incita os participantes a reexaminar seus próprios pontos de vista à luz das perspectivas dos outros e das novas ideias apresentadas, resultando em um enriquecimento em termos de diversidade de pensamentos e visões.
Essa dinâmica colaborativa proporciona a todos os envolvidos - professores, alunos e comunidade - um processo constante de aprendizado e aprimoramento da ação. Acreditamos que os processos de planejamento e de construção da comunicação promovidos pelo CoLabCom podem ser efetivamente incorporados pelos grupos atendidos e levados à prática cotidiana dos mesmos, posto que são construções próprias das pessoas que os integram. Como Lima, São Pedro e Faria (2022, p. 317) ressaltam, “tais processos, à medida em que se tornam uma ação-reflexão-ação cada vez mais colaborativa, vão ampliando sua solidez e potência”.
Algumas considerações
Ao longo deste texto, descrevemos e tecemos reflexões acerca da nossa compreensão de extensão universitária e dos caminhos traçados pelo CoLabCom para a construção colaborativa de diagnósticos e planejamentos de comunicação efetivamente protagonizados por grupos da sociedade civil maceioense. Nossa aposta, conforme discutimos, é que os processos colaborativos geram aprendizados para todos os envolvidos (professores, alunos e comunidade); abrem caminho para a apropriação dos fazeres, linguagens e tecnologias; possibilitam problematizações coletivas e a compreensão compartilhada da causa que dá sentido ao grupo/organização, bem como do contexto dos públicos em movimento em torno de tal causa, dos diálogos e vínculos necessários para a ação em prol da transformação social almejada.
A colaboração, como discutimos, envolve a implicação conjunta dos sujeitos em cada escolha feita e a abertura ao diferente. Pressupõe escuta, troca, aprendizagem e ensino ao longo do processo, criando uma miscelânea que vai além da soma de contribuições individuais – nasce algo novo. É nesse esteio que pensamos a extensão como uma manifestação da relação dialógica entre universidade e sociedade. Por meio da extensão é possível, não apenas ouvir as demandas sociais, mas também ajudar a construir a demanda e encaminhá-la, seja na própria universidade ou nos órgãos governamentais.
Ao explorarmos as metodologias colaborativas na primeira fase do CoLabCom, pudemos perceber os ganhos qualitativos tanto para nossos alunos quanto para as organizações com as quais estamos trabalhando. Ao suscitarmos as discussões de temas que dizem sobre a essência das organizações, percebemos que elas se sentiram como se estivessem em um divã. Ali, questões complexas foram elaboradas, dores foram expostas, encaminhamentos foram provocados. Do ponto de vista dos alunos voluntários, percebemos um despertar para um fazer extensionista ainda pouco trabalhado na Ufal. No decorrer do processo, eles se sentiram suficientemente seguros para também estabelecer as trocas com as organizações de forma autônoma, contando apenas com nossa orientação.
Como é próprio dos processos colaborativos e dialógicos, estamos sempre reexaminando nosso planejamento, estratégias e metodologias. Ao fim desta primeira fase, algumas intercorrências já foram identificadas, como a saída da principal interlocutora do MUVB do movimento. Agora, novas articulações terão que ser tecidas para que os trabalhos continuem. Com a ACACB temos sido constantemente desafiados pelas questões de violência que perpassam a comunidade e que transcendem nossa esfera de atuação. Nosso objetivo é encaminhar, na medida do possível, as questões levantadas aos órgãos competentes. Agora estamos caminhando para as oficinas de produção, que seguirão a mesma lógica colaborativa que tem sido tão profícua até então.
Referências
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Notas
Información adicional
Contribución del autor/a (CRediT): Conceitualização: Pimenta, L. N. e Gonçalves Brandão Rodrigues, E.
Biografía del autor/a: Laura Nayara Pimenta: Professora adjunta do Curso de Relações Públicas da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com período sanduíche na Universidade Nacional de Córdoba, Argentina, e mestre pela UFMG. Possui bacharelado em Comunicação Social com habilitação em Relações Públicas pelo Centro Universitário Newton Paiva. É Vice-líder do Grupo de Pesquisa do CNPq Baleia - Laboratório de Estudos em Comunicação, Organizações e Narrativas do Capitalismo.
Biografía del autor/a: Emanuelle Gonçalves Brandão Rodrigues: Professora adjunta e Coordenadora do Curso de Relações Públicas da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com estágio discente (período sanduíche) na Facultatea de Sociologie si Asistenta Sociala da Universitatea Babes-Bolyai (UBB), na Romênia, e mestre pelo mesmo programa, realizando estágio discente (período sanduíche) na Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM-SP). Possui bacharelado em Comunicação Social com habilitação em Relações Públicas pela Ufal. Líder do Grupo de Pesquisa do CNPq Baleia - Laboratório de Estudos em Comunicação, Organizações e Narrativas do Capitalismo.